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A namorada me escreve um e-mail reclamando do namorado:
“João, eu só não entendo uma coisa: sou jovem, sou morena, sou bronzeada, eu malho, tenho tudo muito em cima e não é pouca coisa: bunda grande, durinha, e peitos bem maçãs. E ainda assim, a gente vai na praia, eu percebo o idiota hipnotizado – mas fingindo que não – pela bunda de outras. Eu sei, ele até disfarça, ele tenta mesmo, mas eu sei, eu vejo, eu sinto. E eu não entendo: por que vocês fazem isso? Você não evoluíram tanto? Pra quê? Devo ficar assustada? Significa algo a mais? Me ajuda, João?”
Ajudo.
E ajudo dizendo que significa e não significa. Depende.
O negócio tá escondido aí onde você não quer ver: teu namorado tá errado e tá certo.
Na verdade, ele não tá nem certo nem errado.
Deixa ver se eu explico:
O negócio é que tem certas coisas que não têm sentido, elas são o que são. A gente que fica nessa infinda minhoca de buscar motivos embaixo de qualquer terra. Qualquer relacionamento, nesse molde que a gente finge possível (de fidelidade, de amor total e sem tropeços), no fundo, mas num fundo nem tão fundo assim, é uma enorme, uma imensa, uma completa cretinice.
Qualquer amor não resiste ao menor escrutínio.
Ou a gente não sabe que qualquer relacionamento não existe sem umas mentirinhas? Sem umas amnésias convenientes?
OLHANDO A BUNDA ALHEIA
Você sabe que quando ele diz que você é o amor da vida dele, na verdade ela já disse isso pra pelo menos umas outras duas.
Você sabe que nem todo palhacinho que ele descabela é pensando em você.
Você sabe que ele sempre se esforça, no início do amor, pra ser aquilo que ele não é e que aquilo que ele é, ele vai ser mais tarde e mesmo isso, o mais tarde, ele muda.
Você sabe que mesmo apaixonadíssimo por você, ele seguirá reagindo diante de um bumbum alheio de sonho, um vestidinho creme que cola na coxa quando bate um vento.
Você sabe que ele seguirá sendo cortejado e que não necessariamente ele vai dizer: olha aqui, tenho namorada. Às vezes ele deixa a coisa correr, na inocência, ele não vai te trair, mas também não cortará o mal pela raiz.
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Você sabe que quando você pergunta sobre suas gordurinhas, sobre as unhas, sobre o novo corte, a resposta dele é no automático.
E que quando você tem TPM e ele diz que entende, ele na verdade entende coisa alguma.
E que, numa DR, ele às vezes está pintando a parede interna do crânio enquanto finge prestar atenção.
Você sabe que às vezes ele pode mesmo mudar todas as coisas que você pede, mas que, em geral, ele só tá dizendo agora pra você se acalmar.
Você sabe.
Você só esquece que sabe. Ou esquece que lembra.
Você esquece.
SE ESQUECENDO ADOIDADO
Assim como ele esquece também que você já chorou, já prometeu amor eterno a pelo menos outros três goiabas.
Que você já viu pintos maiores e menores, mas sempre dirá que o dele é o maior, o melhor.
Que ele sabe, aliás, que você sempre vai achar algum jeito de dizer que ele é o melhor na cama, e todo homem já ouviu isso tantas vezes que se a matemática fosse feita, teríamos 3 bilhões de atores pornôs escondendo talentos formidáveis debaixo das calças.
E ele esquece, claro, que você já gozou mais ou menos, e já gozou de maneiras diferentes.
Que ele pode ser ótimo na cama, mas tinha também aquele outro jeito que você até curtia e ele não faz.
Que você não tem a menor paciência pra futebol e pra boa parte das conversas idiotas dos amigos dele, ainda que todo homem meio que saiba que entre iguais, homens são imensamente imbecis, infantis, e que a graça está justamente em ser imbecil e infantil ali, porque fora dali, com você, ele não pode, ele precisa ser adulto, esperto, bem vestido, altivo, orgulhoso, admirável, sagaz.
Meninas, a gente vive o tempo inteiro sendo o que não é, mas a gente vive tanto tempo sendo o que não é que, o que a gente não é, é o que faz da gente ser o que somos.
Olha que beleza. Encerro aqui o meu parágrafo e meu raciocínio pedindo a todo mundo, num uníssono, a rima: três tigres tristes…
+ Fale com Ele: Transei com meu amigo, temos um caso. O que fazer pra virar namoro?
A GISELE JÁ LEVOU FORA, E JÁ DEU TAMBÉM
Mas bom, garotas, o que quero dizer é que sim, homens olham mesmo pra uma bundinha alheia. Mesmo que inteiramente satisfeito com a sua. O que explica divórcios de mulheres tão sensacionais como a Gisele Bündchen. O fato de a Gisele Bündchen ter mais de um caso registrado nos anais paparazzísticos comprova a tese: até diante da perfeição, o amor é difícil, homem enjoa, mulher enjoa.
O que eu quero dizer à leitora lá de cima é um colossal “calma, cocada”. Se ele olhou e você pescou o olhar, pode reclamar. Mas reclama só um pouco. Porque reclamar faz parte mesmo. E ciúme e respeito são duas coisas que tão aí e a gente precisa.
Mas não leva muito além disso. A não ser que seu namorado seja um brocador contumaz, desses que não resiste ao menor rabo e à menor saia, pratica uma amnésia. Dá uma bronquinha, julga se foi só um reflexo, e pronto.
Porque desejo também é contexto. Aliás, desejo é bastante contexto. Uma moça deitada sozinha, num deck, de biquíni preto, meio cavadinho, lendo um livro, de bruços, o sol doirando aquelas duas almofadinhas, essa cena é capaz das maiores seduções.
Essa mesma moça e essa mesma bundinha, numa praia barulhenta, ela comendo um pote de salada com abacate, pra quem não gosta de praia barulhenta e da cor do abacate, a cena é uma areia no olho plena.
Então, tem isso também. Às vezes, o homem vê a cena ideal, e fica um negócio bastante complicado de driblar o desejo. Mas é um desejozinho assim meio malandro, meio inocente, mas o outro meio é culpado, ele queria não sentir aquilo, a vontade de olhar, mas não olhar também não dá. Donde o inventor dos óculos escuros é um grande craque do bem estar entre moços e moças: ele permitiu a convivência amistosa em praias e demais ambientes públicos, e suados e molhados.
Apostaria em 350% mais de divórcios caso houvesse casais sem ray-bans.
E apostaria em 868% de divórcios se houvesse casais em franqueza total.
Às vezes as coisas são estranhas mesmo. Às vezes não tem uma resposta. Às vezes, a vida é assim. Aliás, quase sempre.
Ela não faz sentido.
Tem uma dúvida cruel? Escreva para marieclaireonline@gmail.com